viernes, 1 de marzo de 2013

Sucessão no Paraguai abre as portas de um velho labirinto

Os olhos são claros e penetrantes e o sorriso de um dos maiores advogados do Paraguai é franco. Suas palavras são arrebatadoras e pontuadas pelo dedo indicador que dedilha no ar de forma firme e resoluta, como se extraísse sons de uma harpa imaginária. Difícil não se sentir impactado diante da figura imponente e carismática de quem combateu a longa ditadura do general Stroessner e se prepara, impassível e com fleuma mais britânica do que guarani, para uma previsível vitória dos colorados.

Entre assessores que entram e saem apressados, clientes que chegam e o saúdam com imensa reverência e goles do indefectível tereré, o mate amargo e gelado que encanta os nativos, ele define os dois candidatos com mais chances de vencerem a disputa presidencial de 21 de abril:

“Horácio será eleito em eleição muito peculiar. Os defeitos que lhe são apontados por seus opositores não são bem a verdade, enquanto as qualidades que os apoiadores de Efrain exaltam estão longe de existir. Nem o Horácio é um bandido, nem o Efrain é um honrado”.

E continua, servindo-me uma chipa, biscoito típico e delicioso: “os que apoiam Horácio Cartes não sabem demonstrar o que ele tem de bom, que é a sua imensa capacidade de trabalho e visão de futuro, e os que estão com o Efrain insistem em lembrar que ele foi ministro de obras do Lugo, onde ele foi apenas um desastre absoluto!”

O milionário Horácio Cartes é banqueiro, industrial, fazendeiro, dono de time de futebol e proprietário de um grupo de quase três dezenas de exitosas empresas que atuam nas mais diversas áreas. Até seus inimigos são unânimes em reconhecer a imensa operosidade do empresário que nunca havia se interessado por política a ponto de jamais ter votado em qualquer eleição: votará agora pela primeira vez e em si mesmo. Afiliado há somente pouco mais de dois anos na ANR, a secular e conservadora Asociación Nacional Republicana ou Partido Colorado, HC (sigla pela qual tanto ele quanto seu movimento, o “Honor Colorado”, são conhecidos”) é acusado pelos adversários de estar querendo incorporar mais uma unidade à sua próspera corporação empresarial: o próprio Paraguai. E para isso não tem economizado nem esforços e nem recursos: sua candidatura está nas ruas já há mais de dois anos e é visível a riqueza que a embala.

Efrain Alegre é um ameno senador do Partido Liberal Radical Autêntico, o centrista PLRA, o mesmo que combateu o regime do general Alfredo Stroessner e que se uniu a esquerda para eleger o bispo Fernando Lugo para a presidência em 2008, pondo fim a décadas de poder dos colorados. Em 2012, quando Efrain era ministro das Obras Públicas de seu governo, Lugo foi defenestrado do vetusto Palácio de Lopez, inclusive com o apoio do PLRA e do próprio Efrain. A história é longa, mas pode ser resumida em poucas palavras: o desastrado religioso resolveu governar sem maior participação das forças que o elegeram. O fracasso, é claro, foi inevitável.

A passagem de Alegre pela pasta encarregada de abrir estradas e edificar as grandes obras públicas é lembrada com estardalhaço por seus partidários, com saudades pelas empresas construtoras, com imensas ressalvas pelos organismos técnicos e clara desconfiança nos tribunais de contas. Efrain, pelo que se sabe, perseguiu a diligência com rara aplicação. Os empreiteiros de obras públicos, “contratistas” no Paraguai, falam em Efrain com doçura quase angelical. Nem os companheiros de partido do candidato liberal, sequer os integrantes do QG de sua incipiente campanha se referem com tanto carinho ao advogado de recém-completados cinquenta anos, casado, pai de quatro filhos e dono de um indescritível topete que faria sucesso na década de 30, mas hoje é motivo de chacota entre os mais jovens.

Se Federico Franco, o vice de Lugo que tornou-se presidente, não se movimenta no Palácio de Lopez em favor da candidatura de Efrain com qualquer ardor partidário, ou se na intimidade as hostes do PLRA não acalentam qualquer ilusão de vencer os colorados no 21 de abril, os contratistas de obras públicas são diferentes. As grandes empresas construtoras que receberam muitas centenas de milhões de guaranis (ou dólares, se preferirem) durante os anos em que Alegre reinou como o poderoso Ministro de Obras Públicas e Comunicações, não só torcem por sua vitória como estão investindo verdadeiras fortunas em sua campanha eleitoral.

Enquanto os detratores de Cartes tentam estabelecer ligações tênues suas com o narcotráfico – baseados no fato de que um pequeno avião de traficantes que em pane técnica realizou pouso forçado numa fazenda de sua propriedade, inclusive sendo preso pelas autoridades policiais, os apoiadores do candidato colorado elevam o tom triunfalista, já dando como certa a vitória em abril próximo. Tanto a estratégia dos colorados parece estar certa (há notória certeza entre a maioria dos paraguaios de que Cartes será o eleito) quanto um evidente fracasso no jogo sujo de seus inimigos. Todos sabem que a fortuna do candidato colorado tanto vem do refrigerante Pulp, o mais consumido no país, quando do poderoso Banco Amambay, tido como o de mais moderna governança corporativa e sistemas operacionais no agressivo mercado financeiro local, ou de qualquer uma das dezenas de fazendas espalhadas por todo o cone sul, onde experimentos genéticos de última geração são realizados com gado campeão em exposições em cinco continentes. “Horácio Cartes é um capitalista selvagem, com certeza. Mas, “narcotraficante” ele será apenas até o fechamento das urnas em 21 de abril”, ironiza um correspondente da imprensa argentina.

A economia paraguaia dá mostras ainda singelas de recuperação, mas está longe da hecatombe preconizada pelos que viam tal desgraça no boicote comercial que não houve dos demais países do Mercosul após a queda de Lugo, no inverno de 2012. Os presidentes do Brasil, Uruguai e Argentina deliberaram o isolamento do Paraguai, aproveitaram a ocasião para acolher a Venezuela no seio do organismo e fizeram do governo do liberal Federico Franco, o obscuro vice de Lugo, um médico sem nenhum charme e sabidamente medíocre, o mais notável pária do continente, mais isolado até mesmo que o general Pinochet no ocaso de sua ferrenha ditadura no final dos anos 80. Mais que isso, nada. A vida continuou para os paraguaios.

Os liberais escolheram Efrain Alegre, depois de uma dura disputa interna. As esquerdas se dividiram entre o respeitado jornalista Mário Ferreiro – talvez o nome mais competitivo delas – e o desconhecido médico Aníbal Carrillo, figura secundária dos palanques do ex-bispo e ex-presidente Fernando Lugo, que divide seu tempo entre os afazeres de candidato ao senado e os tribunais onde realiza dezenas de exames de DNA para filhos naturais que, no mais das vezes, são mesmos seus.  

Seguindo a velha máxima de que “ninguém é melhor para um colorado do que outro colorado”, todos os demais pré-candidatos presidenciais se uniram em torno de Horácio Cartes após as prévias. A jovem senadora Lilian Samaniego, presidenta do partido, e Zacarias Irun, o respeitado ex-governador da rica região de Alto Paraná, após disputarem, agredirem-no e perderem para Cartes abraçaram sua candidatura e passaram a viajar pelo país comandando comícios e passeatas com milhares de partidários do velho e mítico partido colorado. Horácio, cuja vantagem nas pesquisas eleitorais (e há aquelas para todos os gostos e expectativas...) sempre oscila entre os 10 e os 15 pontos acima do segundo colocado, espertamente poupou-se do confronto com seus adversários em debates televisivos. Preferiu voar país afora, envergando camisa e lenço vermelhos, reunindo os colorados em cada rincão do país, prometendo a volta ao poder e pregando a unidade popular. O mega-empresário aprendeu rápido os misteres da política: é pródigo em abraços, afagos, promessas, compromissos, conversas de pé-de-ouvido, tratando com insuspeitada intimidade e camaradagem a massa de um partido que tem quase 2 milhões de filiados num país cujo eleitorado não chega aos 3,5 milhões!

Enquanto isso, os liberais, fiéis ao velho estilo elitista da alta burguesia da capital, se reunem em seguidas reuniões internas, discutindo questões comezinhas, buscando contornar idiossincrasias pessoais e antipatias antigas, sem a apresentação de qualquer proposta inovadora, sem o lançamento de alguma nova idéia, aparentando uma absoluta despreocupação de vencer um perigoso, tradicional e organizadíssimo inimigo: o coloradismo.

Um diplomata espanhol, no bar do refinado hotel La Misión, entre uma dose de jerez e um bocadito de ceviche do divino  surubim paraguaio, afrouxa sua gravata Loewe e não deixa por menos: “a diferença entre os liberais e os colorados é que os colorados são o crime organizado e os liberais são os crime desorganizado”. E diante de minha surpresa, sem tocar mais no jerez, sentencia com convicção: “bem ou mal o que existe de bom no Paraguai é obra dos colorados. Itaipu é prova disso. E o Horácio é um sujeito capaz, tratável, objetivo. Essa história de traficante é mentira, e é de uma maldade total, de uma sordidez absoluta. O estão atacando para evitar que se mostre as ligações do Efrain com essas construtoras ladras, que sangram o país”. E continuou: “o sucessor do Efrain no Ministério, o Cecílio Perez Bordon, exibiu publicamente os documentos com os desvios de mais de US$ 30 milhões que o Efrain fez. E agora é honesto?!”

Ao receber relatos de diretórios do PLRA do interior do país, mostrando as dificuldades de até reunir pessoas para recebê-lo nos aeroportos ou organizar carreatas ou concentrações em praças públicas, Efrain Alegre desesperou-se e atacou Horácio abaixo da linha da cintura: “Em 21 de abril vai cair o maior carregamento do narcotráfico”.  Foi uma surpresa para os que acompanham a política paraguaia e o estilo ameno de Efrain. Em verdade, ele estaria cedendo às pressões insuportáveis que recebeu e ainda seguindo orientações de assessores que pregam o radicalismo na campanha e defendem que ele parta para a ofensa pessoal contra Horácio Cartes. Esses radicais passaram a ser conhecidos como “os desesperados”, no dizer bem-humorado de um ministro do atual governo, mas que irá votar em Horácio Cartes. Os “desesperados” são Desirée Massi (deputada e mulher do candidato a vice de Efrain, Rafael Filizzola), Diego Abente (ex-ministro e ex-embaixador na OEA), Emilia Alfaro (a belicosa primeira-dama da República, acusada por Horácio de cobrar propina de laboratórios farmacêuticos), Ruben Ocampo (coordenador da campanha de Efrain e “homem dos dólares”).

Na reta final da campanha o marketing imundo de Efrain, comandado pelo publicitário espanhol Antônio Solá, que teria sido contratado pela impressionante bagatela de US$ 4 milhões, despeja lama. Filmetes e textos anônimos enchem a internet com acusações não comprovadas e documentos falsos contra Horácio Cartes. Solá fez o mesmo em duas eleições presidenciais seguidas no México, o que lhe valeu dezenas de denúncias na justiça e a fama de ser o “rei da guerra suja”.

Na última semana o dólar despencou no Paraguai. Em Assunção as casas de câmbio e os bancos viram a cotação da moeda norte-americana cair a níveis baixíssimos por excesso de oferta. O rigoroso Banco Central Paraguayo teve de intervir, com a venda de dezenas de milhões de dólares para segurar a cotação em parâmetros aceitáveis. Alguém havia vendido muitos dólares, ofertado muitas cédulas verdes, derrubando a cotação da moeda yankee, desequilibrando um mercado comumente tranquilo e seguro. O que teria sido esse misterioso tsunami?

A explicação já não estava mais em terras guaranis, já voara do aeroporto internacional Silvio Pettirossi para bem longe: um jato executivo de conhecida empresa de táxis aéreos, fretado por construtoras brasileiras e paraguaias, havia desembarcado dezenas de milhões de dólares, acomodados em diversas sacolas de lona e comprados em bancos e cambistas do Brasil e Montevidéu, em esforço concentrado e arrecadados em benefício do sonho de eleger o bom amigo Efrain, que tão alegre fez a vida das grandes empreiteiras quando esteve com a caneta e a chave do cofre nas mãos.

Fuente: http://bit.ly/Z33aAC

1 comentario:

  1. Obrigada aos vizinhos Brasileiros porque reconhecem quém é os nossos Candidatos para Presidente de la Republica del Paraguay. A diferenca é tao visibel e ainda insisten falaren tanto.

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